Senar

O dolo eventual e a morte da torcedora do Palmeiras

*Eudes Quintino de Oliveira Júnior, promotor de justiça aposentado, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, advogado, sócio fundador do escritório Eudes Quintino Advogados Associados, colunista JusTocantins

A morte da torcedora do Palmeiras – atingida na altura do pescoço por uma garrafa arremessada por alguém que se encontrava na confusão formada pelos torcedores do clube paulista e do Flamengo – vem tomando conta do noticiário policial que investiga a autoria e as circunstâncias deste lamentável episódio.

A primeira dificuldade encontrada pela autoridade policial foi com relação à dinâmica para elucidar o responsável pelo arremesso do objeto cortante, uma vez que os vídeos feitos exibiam várias pessoas no local, grande parte lançando objetos contra a torcida adversária.

Tanto é que a primeira investida policial culminou com a prisão de um torcedor do clube carioca, suspeito até então de ter sido o responsável pelo lançamento da garrafa que provocou a morte da torcedora paulista. Quatro dias após, no entanto, por ordem judicial, em razão de precipitada conclusão investigativa, foi colocado em liberdade.

Posteriormente, em perícia mais detalhada e com suporte científico com a sincronização das imagens das duas torcidas no local, foi identificado um torcedor fazendo o arremesso da garrafa que atingiu mortalmente a vítima.

A pergunta que se faz agora quando o tema vem à tona é saber em qual modalidade de culpa se enquadra a conduta do agressor, Fala-se da ocorrência do dolo eventual, que merece um detalhamento doutrinário.

No dolo eventual o agente assume o risco de cometer um crime que, embora não seja inicialmente desejado, é previsível e por ele, agente, aceito, por absoluta indiferença quanto à produção do resultado.

Neste caso, o agente não deseja, inicialmente, matar alguém. Todavia, ao arremessar a garrafa, o agente revela ter plena consciência de que, agindo desse modo, demonstrando completa indiferença quanto à possibilidade da produção de um resultado, poderá causar ferimento ou até mesmo a morte de alguém (previsibilidade).

Nesta linha de raciocínio, o dolo eventual nada mais é do que a modalidade em que o agente não quer o resultado, embora por ele previsto, mas assume o risco de produzi-lo. Nosso Código Penal trouxe expressamente tal possibilidade em seu artigo 18, I, ao adotar a Teoria do Assentimento: “… assumiu o risco de produzi-lo”.

Com efeito, nosso Código Penal baseou-se em uma teoria criada pelo alemão Reinhart Frank: Teoria Positiva do Conhecimento, que nada mais é do um critério bastante prático para identificação do dolo eventual. Para referido autor há dolo eventual quando o agente diz: Seja como for, dê no que der, em qualquer caso não deixo de agir. Denota-se, claramente, a indiferença do agente quanto ao resultado.

O dolo eventual não é produto da volição do autor do ilícito, mas sim dos fatos e das circunstâncias que o circundam Não há necessidade de se penetrar na mente do agente para interpretar sua conduta criminosa. A esse respeito, com exatidão, decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “O dolo eventual não é extraído da mente do autor, mas, isso sim, das circunstâncias. Nele, não se exige que o resultado seja aceito como tal, o que seria adequado ao dolo direto, mas, isto sim, que a aceitação se mostre no plano do possível, provável.”[1]

Assim, no caso sob investigação, todas as circunstâncias devem ser examinadas cuidadosamente para perquirir a respeito da presença do dolo eventual e, se for assim intentado na denúncia do Ministério Público, o julgamento será da competência do Tribunal do Júri, que é o juiz natural da causa.

 

[1] REsp 247.263/MG, rel. Min. Felix Fisher, 2001.

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