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A mulher transplantada e a maternidade

*Eudes Quintino de Oliveira Júnior, promotor de justiça aposentado, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, advogado, sócio fundador do escritório Eudes Quintino Sociedade de Advogados

A palavra mãe é tão curta e diminuta, mas soa com tanta intensidade que faz poetas, cantores e qualquer artista defini-la pelo verso, pela música e pelas artes, num mutirão de agradecimento sem fim.

Até a lei rende a ela a proteção e tutela durante o período de gravidez. Dentre muitos direitos, incentiva a gestante a participar do acompanhamento pré-natal, de fundamental importância para a prevenção e detecção de patologias maternas e fetais; opção pelo abortamento nos casos permitidos em lei; garantia de emprego a partir da confirmação da gravidez até cinco meses após o parto; licença maternidade pelo prazo de 120 dias, com direito à ampliação por mais 60 dias nas empresas privadas que aderirem ao programa “Empresa Cidadã”; licença para a mãe adotiva, assim como salário maternidade para aquela que obteve a guarda judicial de uma criança.

A ciência, por sua vez, estendeu seus tentáculos e foi ao encontro dos anseios para atingir a maternidade. A engenharia genética desbasta um novo caminho para solucionar satisfatoriamente o problema da infertilidade.  A nova área da procriação assistida vem se desenvolvendo a passos longos, produzindo técnicas cada vez mais aperfeiçoadas com a manipulação dos componentes genéticos dos dois sexos para se atingir o projeto parental. Assim, uma das possibilidades que se apresenta ao casal que pretende filhos e não atinge seus objetivos pela via natural, por um problema médico que impeça a gestação na doadora genética por exemplo, é a de realizar o procedimento da fertilização in vitro, com a manipulação dos materiais procriativos e a consequente transferência intrauterina dos embriões para uma cedente temporária de útero com a finalidade de realizar a gestação por substituição, vulgarmente conhecida como “barriga de aluguel”.

Mas o desafio maior e que merece o destaque neste espaço é o que ocorreu com uma mulher que foi submetida a um transplante cardíaco e que sonhava desde a juventude com a maternidade. Era portadora de miocardiopatia dilatada, diagnosticada aos 23 anos, e a gravidade da doença provocou um choque cardiogênico, sendo considerada prioritária na fila de transplantes do InCor, em São Paulo. O transplante foi realizado com sucesso após dois meses de internação, demora justificada pela falta de doador do órgão. “A partir daí, afirmava ela, comecei a viver a vida maravilhosa que tenho hoje. Faço musculação, natação, corrida e bicicleta. Tenho uma vida normal, que nunca imaginei ter.”

E junto com tantos outros sonhos daí para frente resgatou seu desejo de ser mãe. Não satisfeita com as respostas da equipe médica que acompanhava seu estado de saúde pós-transplante – que por precaução não a encorajava engravidar – ela pesquisou e encontrou histórias de mulheres pós-transplante que gestaram na Europa, sem qualquer dano à mãe e ao filho.  Passo seguinte passou a convencer a equipe médica e seu obstetra que foram lentamente cedendo, desde que fossem tomados os cuidados extras para lidar com paciente transplantado.

Dois anos após veio a notícia da gravidez e recentemente ocorreu o nascimento de uma menina, que poderia até receber o nome de Esperança. O parto foi prematuro, por cesariana, como já era esperado pela equipe médica, mas aconteceu de forma planejada e tranquila, sem intercorrências clínicas, tanto para a mãe quanto para a recém-nascida e ambas receberam alta três dias após. O planejamento das variáveis clínicas, bem como o controle dos futuros riscos foram fundamentais para este desfecho favorável.

A breve história narrada não é só sobre o transplante que, por si só, representa algo que extrapola a dimensão humana, mas é também sobre o gestar uma criança sendo mãe transplantada. Não resta dúvida que é um desafio à medicina e até mesmo no conceito popular a pessoa que recebeu um órgão é vista como vulnerável, sempre dependente de medicamentos e acompanhamentos médicos.

Na realidade, a férrea vontade da mulher em tornar realidade seu sonho de ser mãe – além da indispensável contribuição da equipe médica – fez com que todos os obstáculos fossem superados. Dizia ela a todos no hospital: “Tinha vontade de ser mãe, mas havia impossibilidade em razão da doença. Quando eu falava em adoção, as pessoas também não aconselhavam, porque não sabíamos o desfecho de minha história.”

Este é o primeiro Dia das Mães que a mãe transplantada passa com sua filha. Com certeza será inesquecível. E ao olhar para a filha irá se lembrar que pediu a Deus um coração novo batendo dentro dela para que pudesse continuar sua vida e, com a abundância merecida, recebeu dois.

 

*Eudes Quintino de Oliveira Júnior, promotor de justiça aposentado, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, advogado, sócio fundador do escritório Eudes Quintino Sociedade de Advogados;

 

*Ronaldo Honorato Barros dos Santos, Cirurgião Cardiovascular do Núcleo de Transplantes do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo – HCFMSP -, desde 2005.

 

 

 

 

 

 

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