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A Aposentadoria Compulsória da Magistratura e Ministério Público

Por Eudes Quintino*, colunista JusTocantins

Questão sempre tormentosa para o debate público, sobretudo para quem não é da área jurídica, são as sanções constitucionais-disciplinares para os Juízes de Direito e Membros do Ministério Público, quando praticam fatos ensejadores da reprimenda administrativa[1].

Nesse passo, é comum que se indague: “como pode o magistrado/promotor de justiça praticar fato tão grave e receber, como penalidade máxima, a aposentadoria compulsória, com recebimento de vencimentos proporcionais”?

Pois bem.  Inicialmente, é imperioso destacar o artigo 95 da Constituição Federal, que prevê as garantias para os membros da magistratura (extensíveis para o Ministério Público), fundamentais para garantir a independência e a imparcialidade no exercício de suas funções: (i) vitaliciedade; (ii) inamovibilidade e (iii) Irredutibilidade de vencimentos.

Por vitaliciedade, entende-se a garantia de que, após o decurso do estágio probatório (dois anos após a posse no cargo), juiz ou promotor permaneçam em seu no cargo até atingir a idade prevista para sua aposentadoria compulsória (STF fixou, em maio de 2023, a aposentadoria compulsória em 75 anos[2]), não podendo deles ser afastado ou demitido, salvo em razão de disposição legal ou por decisão judicial.

A inamovibilidade, por sua vez, é a garantia que veda a remoção, transferência ou realocação compulsórias dos seus cargos, salvo previsão legal e procedimento respectivo.

Já a irredutibilidade de vencimentos é a garantia que permite receber seus vencimentos de forma integral e sem reduções arbitrárias.

Vale ressaltar que estas três garantias constitucionais têm por finalidade proteger referidos agentes de pressões políticas ou interesses particulares, assegurando a independência e a estabilidade necessárias para o exercício de suas funções, de forma livre e desembaraçada, sem receios de perseguições, de retaliações ou de pressões externas.

Contudo, consoante notória expressão utilizada no meio jurídico, “a todo direito corresponde um dever”. Assim, como forma de garantir, justamente, o livre exercício da magistratura e do Ministério Público com credibilidade e imparcialidade, o Conselho Nacional de Justiça regulamentou as penalidades administrativas, na Resolução CNJ nº 135, de 13 de julho de 2011.

Nesta Resolução tipificou-se, no artigo 3º, as espécies de sanções administrativas para os magistrados, a saber: I – advertência; II – censura; III- remoção compulsória; IV – disponibilidade; V – aposentadoria compulsória e, finalmente, a VI – demissão.

É preciso destacar, ainda, que a dosimetria da pena deve seguir a sistemática de nosso ordenamento jurídico, ensejando proporcionalidade entre a gravidade da conduta praticada e a sanção a ser aplicada.

Prima facie, a advertência consiste na penalidade administrativa mais leve: é a reprimenda formal, escrita e particular ao magistrado negligente no cumprimento de suas funções.

Já a censura é a penalidade um pouco mais severa, relevando-se como o registro oficial de que o magistrado infringiu procedimentos. Por ser mais grave que a advertência, poderá influenciar nas avaliações futuras de sua idoneidade e conduta profissional, impactando na progressão da carreira.

Destaca-se, aqui, o artigo 4º da Resolução CNJ 135/2011: O magistrado negligente, no cumprimento dos deveres do cargo, está sujeito à pena de advertência. Na reiteração e nos casos de procedimento incorreto, a pena será de censura, caso a infração não justificar punição mais grave.

A título de exemplo, o magistrado vinculado à Justiça Trabalhista, que homenageou seu clube de coração após a conquista de um campeonato estadual, inserindo em uma sentença parte do hino do clube, teve recomendada a aplicação da pena de censura[3].

A suspensão, por seu turno, é penalidade mais severa, em que o magistrado é temporariamente afastado de suas funções. Destaca-se seu caráter dúplice: punição do membro da magistratura e resguardo da integridade do Poder Judiciário.

Nos casos citados no início deste texto, as suspensões cautelares permitiram o percebimento de vencimentos no curso do procedimento administrativo. A aposentadoria compulsória, por sua vez, é a sanção administrativa mais grave: impõe o afastamento definitivo do magistrado de suas atividades, que receberá seus vencimentos com o ajuste ao tempo de serviço.

Aqui, alerta-se para uma especial atenção do leitor: a aposentadoria compulsória somente é aplicável ao juiz vitaliciado, pois é esse quem possui a garantia constitucional de não perder o cargo. Logo, diante da regra geral da vitaliciedade, que o impede de perder seu cargo, o magistrado recebe a pena máxima possível, pelo Direito Administrativo: a aposentadoria compulsória.

Ao juiz em estágio probatório (menos de dois anos da data da posse), caso pratique fato grave e incompatível com a função (crime, por exemplo), será demitido e, justamente por não ser vitaliciado, perderá seu cargo e seus vencimentos. Então, fatalmente o leitor fará a indagação: o magistrado vitaliciado que praticar crime (por exemplo) será aposentado compulsoriamente, mas continuará a receber vencimentos proporcionais? Seria justo?

E a resposta é: sim! Porque, como já frisado, na seara administrativa ele receberá a máxima sanção possível, frente a uma garantia estabelecida por nossa lei maior, a Constituição Federal. Contudo, não se pode esquecer da ressalva em que mesmo o magistrado vitaliciado poderá perder, excepcionalmente, o cargo: a decisão judicial.

Nesse sentido, tomando-se por base um caso exemplificativo de um magistrado acusado da prática de graves crimes: receber a pena máxima no âmbito administrativo e ser aposentado compulsoriamente. Todavia, nada impedirá que o Ministério Público respectivo ajuíze ação específica para que este magistrado venha a perder o cargo (e também os vencimentos proporcionais).

Do mesmo modo, existe a possibilidade, em caso de condenação criminal, da incidência de um efeito secundário da sentença penal: a perda do cargo.

Com efeito, é preciso que se separe as naturezas das infrações, para que cada ramo do Direito possa atuar com liberdade e razoabilidade, já que as penalidades administrativas são instrumentos necessários para a manutenção da integridade e da eficiência do Poder Judiciário.

Por fim, mas não menos importante, última pergunta neste apertado espaço: e o Defensor Público? Possui as mesmas garantias dos Magistrados e Membros do MP?

No ano de 2020, o STF fixou entendimento de que os Defensores Públicos gozam da garantia da inamovibilidade (ADI 5029/MT, DJe 30/04/2020), sendo inclusive inconstitucional lei estadual que preveja a vitaliciedade, conforme já decidiu o STF no julgamento da ADI 230/RJ, relatora Ministra Carmen Lúcia.

 

*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde, advogado, sócio fundador do escritório Eudes Quintino Sociedade de Advogados.

*Antonelli Antonio Moreira Secanho é bacharel em Direito pela PUC/Campinas e pós-graduação “lato sensu” em Direito Penal e Processual Penal pela PUC/SP, mestre em Ciências Ambientais, doutorando em Ciências da Saúde e professor de Direito Penal e Processo Penal.

 

[1] https://www.migalhas.com.br/quentes/386995/cnj-aposenta-juiz-marcos-scalercio-acusado-de-assedio-sexual e https://www.migalhas.com.br/quentes/387213/tj-mg-pune-ludmila-lins-grilo-com-aposentadoria-compulsoria

[2] https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=507954&ori=1#:~:text=Por%20unanimidade%20de%20votos%2C%20o,do%20pa%C3%ADs%20em%2075%20anos.

[3] https://www.migalhas.com.br/quentes/354796/trt-2-investigara-juiz-que-usou-camisa-do-sp-e-colocou-hino-em-decisao

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