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O que é trade dress e como é protegido nos Estados Unidos?

Franklin Gomes

@franklingomes

 

 

Introdução:

 

O trade dress é um conceito importante em propriedade intelectual, que se refere, de forma simplista, à aparência geral de um produto ou serviço. Nos Estados Unidos, o trade dress é considerado um dos meios mais importantes para os proprietários de negócios protegerem sua identidade visual. Neste artigo, vamos explorar a origem do trade dress nos Estados Unidos, o caso judicial emblemático que impactou a definição do seu conceito; a proteção oferecida pela lei e como ele pode ser protegido.

 

O que é trade dress e qual a sua origem nos Estados Unidos?

 

Trade dress é uma expressão em inglês que se refere à aparência geral ou imagem comercial de um produto ou serviço. Ele pode incluir elementos como cores, formas, designs, layouts, embalagens, decorações, texturas, entre outros. Em outras palavras, o trade dress é a maneira como um produto ou serviço é apresentado visualmente ao consumidor, ou seja, é a sua identidade visual.

 

Nos Estados Unidos, o trade dress tem a sua origem no direito da concorrência desleal, que procura proteger os interesses comerciais dos empresários e consumidores contra práticas enganosas, fraudulentas ou desleais no mercado.

 

Vale dizer que inicialmente o trade dress era considerado apenas uma espécie de vestimento do produto, ou em outras palavras a forma como o produto era embalado, vestido para ser exibido, ir ao mercado, com uma embalagem, pacote, etc. (Jeffrey Milstein, Inc. v. Greger, Lawlor, Roth, Inc.). Esse conceito mudou e foi muito ampliado, assumindo um significado mais amplo que passou a incluir o design e a aparência do produto, bem como o recipiente e todos os elementos que compõem a imagem visual total pela qual o produto ou o serviço é apresentado aos clientes e/ou consumidores – até mesmo técnicas de venda (John H. Harland Co. v. Clarke Checks, Inc.).

 

Two Pesos, Inc. v. Taco Cabana, Inc: O caso paradigma de trade dress dos Estados Unidos

 

O caso Two Pesos, Inc. v. Taco Cabana, Inc., decidido pela Suprema Corte dos Estados Unidos em 1992 tratou da proteção do trade dress sob a lei de marcas registradas. O ponto central do caso foi considerar se o trade dress de um restaurante poderia ou não ser protegido pelo Lanham Act (Lei Americana de Marcas) com base em uma constatação de distintividade, sem a comprovação de que a trade dress teria um significado secundário.

 

A Taco Cabana, uma rede de restaurantes mexicanos, processou a Two Pesos, outra rede de restaurantes mexicanos, alegando essa havia copiado a decoração e o ambiente de seus restaurantes, incluindo o estilo arquitetônico, as cores, a iluminação e a disposição dos elementos decorativos, o que representaria uma violação do trade dress de seus restaurantes.

 

O caso foi julgado por um júri, que foi instruído a dar seu veredicto na forma de respostas a cinco perguntas feitas pelo juiz de primeira instância. As respostas do júri foram as seguintes:

 

  • A Taco Cabana tem uma imagem comercial;
  • Considerada como um todo, a imagem comercial não é funcional;
  • A imagem comercial é inerentemente distintiva;
  • A imagem comercial não adquiriu um significado secundário (secondary meaning) no mercado do Texas e;
  • A suposta violação cria uma probabilidade de confusão por parte dos clientes comuns quanto à origem ou associação dos produtos ou serviços do restaurante.

 

Como, conforme informado ao júri, o trade dress da Taco Cabana era protegido se fosse inerentemente distintivo ou tivesse adquirido um significado secundário, foi proferida sentença concedendo indenização à Taco Cabana. Durante o cálculo da indenização, o tribunal de primeira instância considerou que a Two Pesos havia violado a imagem comercial da Taco Cabana de forma intencional e deliberada.

 

Inconformada a Two Pesos recorreu alegando sobretudo que o trade dress não poderia ser protegido como uma marca comercial, e que a proteção deveria ser limitada a marcas registradas. Além disso, sustentou que não haveria prova de que o trade dress da Taco Cabana teria significado secundário, o que seria necessário, já que a constatação de ausência de significado secundário contradizia a constatação de distintividade.

 

Em sua decisão, o Tribunal de Recursos rejeitou o argumento de que a constatação de ausência de significado secundário contradizia a constatação de distinção inerente. Invocando o caso Chevron Chemical Co. v. Voluntary Purchasing Groups, Inc., o tribunal observou que a lei de marcas registradas exigia uma demonstração de significado secundário somente quando a marca registrada reivindicada não fosse suficientemente distintiva em si mesma para identificar o produtor; sustentando que os mesmos princípios deveriam ser aplicados à proteção de trade dress.

 

O Tribunal de Recursos observou que essa abordagem entrava em conflito com as decisões de outros tribunais, particularmente a decisão do Tribunal de Recursos do Segundo Circuito em Vibrant Sales, Inc. v. New Body Boutique, Inc., segunda a qual significado secundário seria necessário para marcas ou trade dress não registrados, mas manteve a decisão do Tribunal Distrital.

 

O caso então foi levada pela Two Pesos até a Suprema Corte Americana, que ratificou as decisões anteriores, deixando claro que o trade era protegido sob a lei de marcas, desde que seja distintivo e não funcional. A corte também estabeleceu um teste de dois passos para determinar se o trade dress é protegível:

 

  • distintividade e;
  • probabilidade de causar confusão entre os consumidores.

 

A necessidade de significado (ou significação) secundário como condicionante da proteção foi afastada, tal como o é no caso da proteção de marcas, devendo igualmente sem aplicado nas mesmas hipóteses, como veremos a seguir.

 

Essa decisão é considerada um marco na lei de marcas registradas dos Estados Unidos, pois esclareceu a proteção do trade dress sob essa lei e estabeleceu um teste claro para a proteção do trade dress.

 

Como funciona a Proteção do Trade Dress nos Estados Unidos?

 

A proteção do trade dress nos Estados Unidos ocorre tanto pela common law, mas sobretudo pela seção 43(a) do Lanham Act (a Lei Americana de Marcas), que proíbe a falsa indicação de origem ou associação de produtos ou serviços, bem como a apropriação indevida da imagem comercial de terceiros.

 

No que pese se reconhecer que a proteção ao trade dress sempre esteve na Lanham Act, somente anos após a sua entrada em vigor é que ela passou a integrar de forma explicita o texto legal.

 

A doutrina americana (SCHECHTER e THOMAS, 2003, p.609) deixa claro que nos primeiros 10 anos de vigência de Lanham Act o Escritório Americano de Marcas e Patentes (USPTO) se recusava a registrar o trade dress como principal registro, o que mudou após os anos 50, quando começou a conceder diversos registros.

 

Para que haja a proteção como trade dress nos Estados Unidos é fundamental que o objeto sobre o qual se pretenda a proteção (e aqui objeto no sentido de produtos ou serviços) reúna alguns requisitos, que assim podem ser definidos:

 

  • Distintividade;
  • A sua reprodução por terceiros gerar risco de confusão entre os consumidores.

 

A avaliação da distintividade tem como balizador o teste estabelecido pelo caso  Abercrombie Fitch Co. v. Hunting World, Inc, segundo o qual trade dress são classificados com genéricos, descritivos, sugestivos, arbitrários ou fantasiosos.

 

Nesse sentido, somente trade dress sugestivos, arbitrários ou fantasiosos seriam dotados de distintividade. No entanto, tal como no caso das marcas, trade dress descritivos poderão ser protegidos se conseguirem adquirir uma significação secundária (o famoso secondary meaning). De outro lado, e evidentemente, trade dress genérico jamais seria protegido, já que impossível adquirir qualquer nível de distintividade.

 

Outro ponto fundamental é a chamada não funcionalidade: a proteção do trade dress é limitada a elementos não funcionais.

 

Além dessa proteção não ser absoluta, o que significa dizer que a a similaridade entre dois trade dress não ser suficiente para garantir a violação de direitos, algumas observações são importantes sobre os requisitos e que, a bem da verdade, estão ligados a uma certa necessidade de restrição, ou ainda “cuidado”, para não conferir excessiva amplitude ao trade dress.

 

É justamente o que foi decidido em Jeffrey Milstein, Inc. v. Greger, Lawlor, Roth pela corte de apelação, que estabeleceu considerações adicionais sobre como avaliar a distintividade do trade dress.

 

O primeira observação foi quanto a complementariedade do trade dress em relação ao direito autoral e a lei de patentes, destacando que muito embora ele possa ocupar espaço para proteger configurações de produtos não patenteáveis e novas técnicas de marketing (citando aqui LeSportsac, Inc. v. K Mart Corp.) a sua extensão excessiva poderia minar as restrições da lei de direitos autorais e patentes que são projetadas para evitar a monopolização de produtos e ideias. Nesse sentido, recomendou que os tribunais procedessem com cautela ao avaliar reivindicações de proteção de trade dress não registrado para não prejudicar os objetivos dessas outras leis.

 

A segunda observação da decisão citada é sobre a impossibilidade de proteção de meras ideias pelo trade dress, como tampouco um conceito ou um tipo generalizado de aparência (Hartford House Ltd. v. Hallmark Cards Inc.) Como exemplo de ideias e conceitos gerais demais para proteção é mencionado o “tema” de esqueletos envolvidos em atividades sexuais, usadas no design de camisetas (Fashion Victim v. Sunrise Turquoise) e o “conceito generalizado” de figuras grotescas em brinquedos (Those Characters from Cleveland, Inc. v. J.J. Gams, Inc.).

 

Adidas v. Skechers: Um caso interessante

 

O caso adidas America, Inc. v. Skechers USA, Inc. trata da disputa de marca registrada e trade dress entre as duas empresas de calçados esportivos. O caso foi julgado pela Corte de Apelações do 9º Circuito dos Estados Unidos.

 

A adidas alegou que a Skechers copiou sua marca registrada e trade dress do tênis Stan Smith, incluindo o design do logotipo de três linhas da adidas e a configuração de cores verde e branca. A adidas argumentou que a Skechers estava tentando se aproveitar da popularidade do tênis Stan Smith da adidas.

Além disso, Adidas também alegou que o a Skechers estaria violando a sua marca “Three-Stripe” ou seja, as famosas 3 listras, com o tênis Skechers’s Relaxed Fit Cross Court TR.

 


Ao analisar o caso, o tribunal distrital concedeu uma liminar favorável a Adidas, proibindo a Skechers de vender sapatos que supostamente infringem e diluíam o trade dress do Stan Smith e a marca Three-Stripe da adidas.

 

Corte de Apelações: decisão do juízo distrital foi mantida parcialmente em favor da adidas

De acordo com a corte, a adidas provavelmente teria sucesso no mérito do caso (um dos critérios para concessão da liminar), quanto ao tênis ONIX, já que os requisitos para proteção do trade dress do Stan Smith estavam presentes (não havia funcionalidade, havia distintividade adquirida por meio de secondary meaning e uma probabilidade substancial de confusão entre os produtos).

Haveria ainda, segundo a corte, acerto da decisão distrital ao reconhecer a possibilidade de dano irreparável a adidas (outro requisito fundamental para concessao de uma liminar), com a comercialização do ONIX, destacando ainda que pesquisas com clientes indicariam que os benefícios intangíveis da adidas seriam prejudicados, pois se tênis permanecesse no mercado os consumidores ficariam confusos sobre a sua origem.

Já sobre o tênis Cross Court TR a corte considerou que o tribunal distrital errou ao conceder a liminar.

Fundamento da decisão: Ausência de provas

Três os aspectos foram analisados: a infração e diluição da marca de três listras e a possibilidade de dano irreparável.

 

Quanto a alegação de infração, além de outras coisas, é necessário que demonstrar a propriedade da marca e o risco de confusão entre as marcas.

De acordo com a decisão distrital, mantida pela corte, ficou clara não apenas a propriedade da marca, mas a possibilidade de confusão. Ainda que tenham sido observadas diferenças entre a aplicação das 3 listras, a decisão reconheceu a grande semelhança e a possibilidade de confusão.  E mais, reconheceu que havia intenção da Skechers ao usar as 3 listras, sobretudo em razão do histórico de litígio entre as partes, afirmando ainda que “quando uma parte conscientemente adota uma marca semelhante à de outra, os tribunais de revisão presumem que o réu cumprirá seu objetivo e que o público será enganado”.

Sobre a proteção contra a diluição da marca, ao recorrer da definição estabelecida em Nissan Motor Co. v. Nissan Compt. Corp, segunda a qual a diluição é diminuição da capacidade de uma marca famosa de identificar e distinguir produtos ou serviços, independentemente da presença ou ausência de competição entre o proprietário da marca famosa e outras partes, ou probabilidade de confusão, erro ou decepção, a corte reconheceu a probabilidade de sucesso no mérito da alegação de diluição da marca registrada da adidas.

No entanto, o que motivou a revisão parcial da decisão, que atingiu o Cross Court TR, foi justamente o reconhecimento da corte de que a adidas não demonstrou que seria irreparavelmente prejudicada com a venda do Cross Court.

 

De acordo com a decisão “a adidas apresentou apenas um argumento estreito de dano irreparável ao Cross Court: que a Skechers prejudicou a capacidade da adidas de controlar sua imagem de marca porque os consumidores que veem outras pessoas usando sapatos Cross Court associam os Cross Courts de qualidade inferior à adidas e sua marca de Três Listras. No entanto, não encontramos nenhuma evidência que pudesse apoiar a constatação de dano irreparável com base nessa teoria de perda de controle”.

 

Trade Dress nos Estados Unidos: Marca Registrada

 

Embora não seja obrigatório, o registro do trade dress pode oferecer uma maior proteção legal no Estados Unidos – o que não temos diretamente no Brasil. Lá, o registro é feito como marca, mas há a necessidade de indicar no pedido que se trata de um pedido de marca que constitui um trade dress.

 

Para registrar o trade dress nos Estados Unidos, é necessário apresentar uma descrição detalhada da aparência do produto ou serviço, bem como exemplos de como o trade dress é usado.

 

O próprio USPTO (Escritório Americano de Marcas e Patentes) oferece uma espécie de guia para esclarecer o que é trade dress e como ele pode ser registrado, reconhecendo que em muitos casos a natureza da marca pode não pode ser facilmente aparente, razão pela qual incluir desenhos, descrição da marca, identificação de bens ou serviços são medidas recomendáveis –  ou seja, o pedido deve ser o mais detalhado possível.

 

O procedimento até indica que o examinador do USPTO poderá ligar para o requerente para obter esclarecimentos e seguir com a análise (o que é ainda impensável no Brasil), ou simplesmente emitir uma “Office Action”, que é uma espécie de exigência com pedido de esclarecimentos ou complementação (não obstante poder conter outras orientações, como recomendação de modificações no pedido).

Conclusão

 

A construção da identidade visual de um produto ou um serviço exige não apenas esforços criativos, mas investimentos financeiros. Alcançar a mente e a preferência dos consumidores, construindo uma relação que gera uma verdadeira ligação direita é, sem sombras de dúvidas, um desafio de empresas e empreendedores, que buscam se destacar e construir estradas únicas, por onde se pretende conduzir e direcionar seus consumidores para esses únicos e exclusivos caminhos. Permitir que a jornada seja modificada, por manobra de terceiros, parece não ser prática honesta no mundo dos negócios – e tampouco no mundo do direito.

 

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Decisões:

 

  • ADIDAS AMERICA, INC. v. SKECHERS USA, INC.

https://cases.justia.com/federal/appellate-courts/ca9/16-35204/16-35204-2018-05-10.pdf?ts=1525971651

 

  • TWO PESOS, INC. V. TACO CABANA, INC

https://casetext.com/case/two-pesos-inc-v-taco-cabana-inc?

 

  • JOHN H. HARLAND CO. V. CLARKE CHECKS, INC

https://casetext.com/case/john-h-harland-co-v-clarke-checks-inc

 

  • JEFFREY MILSTEIN, INC. V. GREGER, LAWLOR, ROTH

https://casetext.com/case/jeffrey-milstein-inc-v-greger-lawlor-roth

 

  • NABISCO BRANDS V. CONUSA CORP

https://casetext.com/case/nabisco-brands-v-conusa-corp

 

Legislação:

 

  • LAHAM ACT

https://www.uspto.gov/sites/default/files/documents/tmlaw.pdf

 

  • USPTO – Procedimento de Registro

https://tmep.uspto.gov/RDMS/TMEP/current#/current/TMEP-1200d1e835.html

 

 

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Franklin Gomes

Mestre em Direito Penal Econômico Internacional (Universidade de Granada, Espanha), Pós-Graduado em Direito Processual Penal (UNIFMU), Teoria da Infração Criminal Revisitada (IDPEE – Instituto de Direito Penal Econômico e Europeu, associado a Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra), fez curso de extensão em Propriedade Intelectual no Franklin Pierce Law Center, da Universidade de New Hampshire, em Concord, Estados Unidos, participou do 1o. International School of Law and Technology realizado no Brasil pela Université de Monteréal, em parceria com o ITS – Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio. Também possui extensão em Introdução ao Sistema Legal Americano, pela Thomas Jefferson School of Law, de San Diego, nos Estados Unidos.

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