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O poder investigatório do Ministério Público

Eudes Quintino de Oliveira Júnior, promotor de justiça aposentado/SP, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, advogado, sócio fundador do escritório Eudes Quintino Sociedade de Advogados.

O Supremo Tribunal Federal, em julgamento virtual realizado em 12/4/23, acatando o voto do relator Ministro Alexandre de Moraes, pela maioria do colegiado, decidiu pela improcedência das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 2838/MT e 4624/TO, que questionavam o funcionamento dos Grupos de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (GAECOS). No estado de São Paulo a iniciativa primeira para a criação do GAECO foi na gestão do Procurador Geral de Justiça José Emmanuel Burle Filho, no ano de 1995, quando centralizou o combate às organizações criminosas em um único núcleo integrado por promotores de justiça da capital. Após, com os bons resultados alcançados, expandiram formando núcleos regionais.   É de se frisar que a ação julgada pela Corte Maior deu ênfase e reafirmou um tema que há muito tempo reclamava uma resposta do Judiciário, consistente no poder investigatório do Ministério Público.

Inicialmente, deve ser acentuado que a Constituição Federal, com o espírito voltado para o alargamento das franquias democráticas, estabeleceu as funções do Ministério Público em seu art. 129, editado pelo Poder Constituinte Originário e em plena vigência, cujo caput consigna: “São funções institucionais do Ministério Público”. Assim, tratam os incisos seguintes de deveres atribuídos a uma instituição, da obrigatoriedade de uma ação e da consequente autoridade do órgão ministerial para realizar todos os atos necessários para desempenhar a contento as tarefas determinadas constitucionalmente. Quando o Poder Público, para a realização de sua missão, outorga iniciativa a uma instituição, transformando-a em sua longa manus, confere a ela todos os poderes inerentes à realização das atribuições que lhe foram conferidas, desde o ato inicial até o final.

Dentre as inúmeras funções atribuídas ao parquet, destaca-se, por estar intrinsicamente ligado ao cerne da discussão, o inciso IX do referido artigo: exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas. As exceções foram propositadamente especificadas. Resta claro, portanto, que preferiu o legislador pátrio deixar em aberto esse último inciso, para que lei posterior (federal) regulasse a matéria e elencasse as demais funções que não poderiam ser exaustivamente previstas neste inciso.

Desta forma, verifica-se a existência de uma norma constitucional de eficácia limitada: este inciso IX somente tem aplicação se for complementado por uma lei, que passa a integrar e completar o texto constitucional, trazendo todos os elementos para que, a partir de então, se aperfeiçoe a norma, vez que terá todos seus elementos para plena eficácia.

A complementação, por seu turno, se deu com duas leis: 8.625/93 (Lei Orgânica do Ministério Público – LOMP), aplicável a todos os MPs (federal e estaduais) e a Lei Complementar 75/93 (Ministério Público da União). Insta salientar, ainda, que existem Leis Complementares de cada Estado, que regulam, por sua vez, a organização e as funções específicas do MP estadual (no caso de São Paulo, é a Lei Complementar 734/93).

Vale observar também que cabe também ao Ministério Público a instauração de inquéritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos pertinentes.

Com efeito, constata-se que foi atendido o comando constitucional de complementação da norma, tendo em vista que as duas leis supracitadas enumeraram as demais funções do parquet e, dentre elas, existe a expressa previsão do membro do Ministério Público instaurar procedimento administrativo para apurar a prática de crimes.

Frise-se que não se pretende, de forma alguma, substituir o trabalho das polícias. Muito pelo contrário, o que se faz é somar esforços para melhor apurar os delitos que crescem numa progressão assustadora, principalmente aqueles mais visados pelas organizações criminosas voltados para a prática de crimes de sonegação fiscal, sistema financeiro, ordem econômica, previdência social, lavagem de dinheiro, corrupção, dentre outros.  Não se busca a prevalência ou exclusividade de uma grei. Assim, muitas vezes se faz necessária uma complementação da atuação policial, tanto que o Código de Processo Penal permite que o MP requisite diligências indispensáveis ao oferecimento da denúncia (atente-se para o verbo requisitar, ou seja, é uma ordem, não podendo ser rejeitada), nos termos do artigo 13, II do Código de Processo Penal.

Por outro lado, o Ministério Público é também destinatário da notitia criminis e, qualquer pessoa do povo, na mais ampla legitimidade, quando se tratar de ação penal pública, poderá provocar a iniciativa do parquet, fornecendo a ele por escrito as informações sobre o fato e autoria, segundo a regra do artigo 27 do Código de Processo Penal. Na mesma simetria, no campo da ação penal exclusivamente privada, o querelante dispensará o inquérito policial se tiver em mãos as provas para alicerçar a delatio criminis particular.

Tal fato, por si só, faz ver que a intenção do legislador foi a de conferir ao cidadão a oportunidade de levar determinado fato delituoso ao órgão ministerial, que irá, de imediato, intentar a competente ação penal, desde que receba todas as informações necessárias para tanto. Os informes do particular substituem o procedimento investigativo policial. Se, no entanto, não encontrar presentes os requisitos da autoria e materialidade, o MP poderá realizar investigação para tanto ou ainda requisitar a instauração do inquérito policial, nos termos do art. 5º, II do estatuto processual penal.

 

Eudes Quintino de Oliveira Júnior, promotor de justiça aposentado/SP, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, advogado, sócio fundador do escritório Eudes Quintino Sociedade de Advogados.

 

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