Em uma importante sessão realizada nesta quinta-feira (29), o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deu início ao julgamento do mérito da ação que discute o uso da tese de legítima defesa da honra em casos de feminicídio. O ministro Dias Toffoli votou pela inconstitucionalidade dessa tese nessas situações, reafirmando um entendimento já apresentado em medida cautelar referendada pela Corte. O julgamento será retomado na última sessão do semestre, marcada para amanhã.
A ação em discussão, denominada Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 779, foi proposta pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). Em fevereiro de 2021, o relator havia concedido parcialmente uma medida cautelar, firmando o entendimento de que a tese de legítima defesa da honra contraria princípios constitucionais fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, a proteção à vida e a igualdade de gênero. Essa liminar foi referendada pelo Plenário em março do mesmo ano.
Durante a sessão, foram apresentados argumentos em defesa da proibição do uso da tese de legítima defesa da honra. O procurador-geral da República, Augusto Aras, e a coordenadora-geral de Contencioso da Advocacia-Geral da União (AGU), Alessandra Lopes da Silva Pereira, ressaltaram os avanços significativos no combate à violência de gênero, como a Lei Maria da Penha, a tipificação do feminicídio e a construção de jurisprudência pelo STF na proteção do direito à vida e à integridade das mulheres.
Além disso, representantes da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (ABRACRIM), da Associação Brasileira de Mulheres de Carreiras Jurídicas (ABMCJ) e da Associação Nacional da Advocacia Criminal (Anacrim), admitidas como interessadas no processo, também participaram do julgamento.
O ministro Dias Toffoli destacou a importância simbólica e pedagógica desse julgamento, enfatizando que o Judiciário está levando uma reflexão à sociedade. Em seu entendimento, a legítima defesa da honra ofende a dignidade humana e não deve ser utilizada pela defesa, pela acusação, pela autoridade policial ou pelo juízo, direta ou indiretamente, no processo penal, sob pena de nulidade do julgamento. Ele mencionou ainda uma regra do Código Penal que estabelece que a emoção ou a paixão não excluem a responsabilidade penal.
Para o ministro, a legítima defesa é um argumento “odioso, desumano e cruel” utilizado pelas defesas de acusados de feminicídio ou agressões contra mulheres, culpabilizando as vítimas por suas próprias mortes ou lesões. Esse tipo de argumento contribui para a naturalização e a perpetuação da cultura de violência contra as mulheres, isentando os responsáveis de serem devidamente punidos.
Toffoli ressaltou ainda que o acolhimento dessa tese reforça o desprezo pela vida das mulheres, que podem ter suas vidas suprimidas em nome de uma suposta honra masculina. O ministro ressaltou que é dever do Estado criar mecanismos para coibir o feminicídio e não compactuar com essa situação, uma vez que a dignidade da pessoa humana, a proibição de todas as formas de discriminação, o direito à igualdade e o direito à vida têm prevalência sobre a plenitude de defesa.