Outro dia fomos questionados a respeito da possibilidade de Reclamação perante o Supremo Tribunal Federal em face de decisões da própria Corte Suprema.
Pois bem. Aqui, sem querer esgotar o tema, trazemos algumas breves reflexões.
A Constituição Federal de 1988 traz na alínea l, do inciso I, do artigo 102, como uma das competências do Supremo Tribunal Federal, “a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões”[1].
Dispõe o § 3º, do artigo 103, da CF/88:
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Vide Lei nº 11.417, de 2006).
(…)
O Código de Processo Civil de 2015 (Lei Federal nº 13.105, de 16 de março de 2015) traz em seu artigo 988 que:
“Caberá reclamção da parte interessada ou do Ministério público para:
I – preservar a competência do tribunal;
II – garantir a autoridade das decisões do tribunal;
III – garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; (redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016)
IV – garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência; (redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016)
Extrai-se do artigo 9º, alínea “c”, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF)[2], como competência das Turmas “a reclamação que vise a preservar a competência do Tribunal ou a garantir a autoridade de suas decisões ou Súmulas Vinculantes” (redação dada pela Emenda Regimental nº 49, de 3 de junho de 2014).
O artigo 156 do RISTF dispõe que “caberá reclamação do Procurador-Geral da República, ou do interessao na causa, para preservar a competência do Tribunal ou garantir a autoridade das suas decisões”, sendo a reclamação “instruída com prova documental” (parágrafo único do artigo 156).
O Título V (dos processos sobre competência), no Capítulo I (da reclamação), do RISTF, traz ainda o seguinte sobre a Reclamação:
Art. 157. O Relator requisitará informações da autoridade, a quem for imputada a prática do ato impugnado, que as prestará no prazo de cinco dias.
Art. 158. O Relator poderá determinar a suspensão do curso do processo em que se tenha verificado o ato reclamado, ou a remessa dos respectivos autos ao Tribunal.
Art. 159. Qualquer interessado poderá impugnar o pedido do reclamante.
Art. 160.Decorrido o prazo para informações, dar-se-á vista ao Procurador-Geral, quando a reclamação não tenha sido por ele formulada.
Art. 161. Julgando procedente a reclamação, o Plenário ou a Turma poderá: (Redação dada pela Emenda Regimental n. 9, de 8 de outubro de 2001)
I – avocar o conhecimento do processo em que se verifique usurpação de sua competência;
II – ordenar que lhe sejam remetidos, com urgência, os autos do recurso para ele interposto;
III – cassar decisão exorbitante de seu julgado, ou determinar medida adequada à observância de sua jurisdição.
Parágrafo único. O Relator poderá julgar a reclamação quando a matéria for objeto de jurisprudência consolidada do Tribunal. (Incluído pela Emenda Regimental n. 13, de 25 de março de 2004)
A Lei Federal nº 9.882, de 03.12.1999 (que dispõe sobre o processo e julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do § 1º do art. 102 da Constituição Federal) traz em seu artigo 13 que “caberá reclamação contra o descumprimento da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, na forma do seu Regimento Interno”.
Já a Súmula 734 do Supremo Tribunal Federal tem o seguinte enunciado:
“Não cabe reclamação quando já houver transitado em julgado o ato judicial que se alega tenha desrespeitado decisão do Supremo Tribunal Federal.”
Essa a legislação sobre a Reclamação no ordenamento pátrio brasileiro.
Feitas essas considerações iniciais – que consideramos importantes para que pudessemos responder ao questionamento que nos foi feito, respondemos o que nos foi questionado da seguinte forma.
A Reclamação “é um processo sobre preservação de competência dos tribunais. No STF, sua finalidade é preservar ou garantir a autoridade das decisões da Corte Suprema perante os demais tribunais”[3].
Conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal a reclamação será cabível para:
“(i) preservar a competência do Tribunal;
(ii) garantir a autoridade de suas deciões; e
(iii) garantir a observância de enunciado de Súmula Vinculante e de decisão desta Corte em controle concentrado de constitucionalidade, nos termos do art. 988 do Código de Processo Civil” (STF. Reclamação 38.028-RJ. Relator Ministro Ricardo Lewandowski).
Ou seja, para o cabimento de Reclamação perante o Supremo Tribunal Federal será necessária a observância de algum desses três requisitos indicados acima – i) a preservação da competência do Tribunal; ii) a garantia da autoridade de suas decisões; e iii) garantir a observância de enunciado de Súmula Vinculante e de decisão desta Corte e controle concentrado de constitucionalidade.
Assim, havendo a violação da competência do Supremo Tribunal Federal atrair-se-á a possibilidade de reclamação nos termos do artigo 102, inciso I, alínea I, da CF/88.
Porém, caso a ideia seja propor Reclamação no próprio STF em face das decisões proferidas pelo próprio Supremo Tribunal Federal, tal não nos parece juridicamente possível, seguindo o entendimento já firmado de que é “incabível o manejo da reclamação contra decisões do Supremo Tribunal Federal” (Rcl 28209 AgR, Relator(a): ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 16/03/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-063 DIVULG 03-04-2018 PUBLIC 04-04-2018).
Nesse mesmo sentido os demais precedentes:
Ementa: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RECLAMAÇÃO AJUIZADA CONTRA DECISÃO DO STF. 1. Não cabe reclamação constitucional direcionada à cassação de decisões de Ministros ou Turmas do Supremo Tribunal Federal, uma vez que os atos emanados pelos seus órgãos, no exercício de suas competências legais e regimentais, são atribuíveis à própria Corte. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.
(Rcl 19526 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 28/04/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-089 DIVULG 13-05-2015 PUBLIC 14-05-2015)
EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECLAMAÇÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS DE DECISÃO MONOCRÁTICA. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. RECLAMAÇÃO PROPOSTA CONTRA ATO DESTE TRIBUNAL. INADMISSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. I – O recurso cabível contra decisão monocrática é o agravo regimental. II – Não cabe reclamação contra decisões do Supremo Tribunal Federal. Precedentes. III – Embargos de declaração convertidos em agravo regimental, ao qual se nega provimento.
(Rcl 9542 ED, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 09/12/2010, DJe-025 DIVULG 07-02-2011 PUBLIC 08-02-2011 EMENT VOL-02459-01 PP-00013)
EMENTA: RECLAMAÇÃO. Propositura contra decisão de Turma do Supremo. Inadmissibilidade. Seguimento negado. Recurso improvido. Precedentes. Não se admite reclamação contra decisão de turma ou ministro do Supremo Tribunal Federal.
(Rcl 2969 AgR, Relator(a): CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 14/10/2009, DJe-055 DIVULG 25-03-2010 PUBLIC 26-03-2010 EMENT VOL-02395-02 PP-00350)
Ementa: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM RECLAMAÇÃO. RECLAMAÇÃO CONTRA DECISÃO DO PRÓPRIO STF. 1. Reclamação em que se impugna acórdão do TST que já foi objeto de análise por esta Corte, em agravo em recurso extraordinário. 2. Inviável reclamação em que se busca, por via transversa, a reforma de decisão do próprio Supremo Tribunal Federal. 3. Agravo interno a que se nega provimento.
(Rcl 32896 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 31/05/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-127 DIVULG 11-06-2019 PUBLIC 12-06-2019).
Nessa esteira de pensamento diveros outros precedentes do Supremo Tribunal Federal em tese já sedimentada na Corte.
Em mais um exemplo do posicionamento firmado pelo STF veja-se:
EMENTA: RECLAMAÇÃO. DECISÃO PROFERIDA PELO VICE-PRESIDENTE DESTA CORTE. NÃO CABIMENTO. Não cabe reclamação contra decisões dos membros do Supremo Tribunal Federal. Precedentes. Com efeito, a reclamação não é via processual adequada, no Supremo Tribunal Federal, à impugnação de suas decisões (Rcl-AgRg 3.316, de minha relatoria, Segunda Turma, 21.06.2005; Rcl-AgRg 3.916, rel. min. Carlos Britto, Pleno, 12.06.2006). A impugnação das decisões do Supremo Tribunal Federal se faz nos termos da legislação processual, por meio dos recursos próprios. Agravo regimental desprovido.
(Rcl 4591 AgR, Relator(a): JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 08/10/2009, DJe-228 DIVULG 03-12-2009 PUBLIC 04-12-2009 EMENT VOL-02385-01 PP-00149)
Essas algumas breves reflexões a respeito da Reclamação no âmbito de competência do Supremo Tribunal Federal.
*Alexandre Pontieri
Advogado com atuação em todas as instâncias do Poder Judiciário; desde 2006 atuando perante os Tribunais Superiores (STF, STJ, TST e TSE), e no Conselho Nacional de Justiça (CNJ); Consultor da área tributária com foco principalmente no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF); Pós-Graduado em Direito Tributário pelo CPPG – Centro de Pesquisas e Pós-Graduação da UniFMU, em São Paulo; Pós- Graduado em Direito Penal pela ESMP-SP – Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo. Aluno do Mestrado em Direito da UNB – Universidade de Brasília nos anos de 2018 e 2019. alexandrepontieri@gmail.com
[1] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
[2] https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/legislacaoRegimentoInterno/anexo/RISTF.pdf