O § 4º, do artigo 103-B, da Constituição Federal, dispõe que compete ao Conselho Nacional de Justiça, “o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura”, dentre elas “zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências” (inciso I), e, ainda, “receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário” (inciso III).
A Constituição Federal de 1988 protege expressamente a liberdade de expressão, a liberdade de informação, de imprensa e a manifestação do pensamento – intelectual, artístico, científico etc.:
“(…) Art. 5º. (…)
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
(…)
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica ou de comunicação, independente de censura ou licença;
(…)
XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;”
“(…) Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
Como sabemos, a Constituição Federal de 1988 ao passo que garante o livre direito à liberdade de expressão, também garante ao indivíduo o direito à preservação da imagem e da honra (CF/88, inciso X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação).
Além disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que é necessário o equilíbrio entre os direitos fundamentais, não podendo a liberdade de expressão ser utilizada para a prática de atos ilícitos (HC 82424)[1].
Ou seja, quando há conflito com outros princípios e/ou direitos que tenham o mesmo status, ou status superior ao da liberdade de expressão, surgem limites, que estão previstos na própria Constituição Federal.
Tema que tem sido enfrentando com certa frequência pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) diz respeito à liberdade de expressão e manifestação de magistrados em redes sociais.
E como o Conselho Nacional de Justiça vem tratando essas questões relacionadas à liberdade de expressão e manifestação em redes sociais por parte dos magistrados? (magistrados que também fazem parte dessa nova “sociedade em rede” – termo utilizado pelo sociólogo espanhol Manuel Castells[2]).
Vemos como marcos divisórios nas decisões do CNJ a publicação do Provimento nº 71 de 13.06.2018 (que dispõe sobre o uso do e-mail institucional pelos membros e servidores do Poder Judiciário e sobre a manifestação nas redes sociais[3]), e a publicação da Resolução nº 305 de 17.12.2019 (que estabelece os parâmetros para o uso das redes sociais pelos membros do Poder Judiciário[4] – destacamos que a Resolução 305/CNJ está sendo questionada perante o STF nas ADIs 6293 e 6310 sob a relatoria do Ministro Alexandre de Moraes[5]).
E por que esses marcos divisórios do Provimento CNJ 71/2018 e da Resolução CNJ 305/2019?
Vejamos para poder compreender:
PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS – INSTAURAÇÃO DE OFÍCIO CONTRA MAGISTRADO – PROVIMENTO 71 DA CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA.
Pedido de providências arquivado.
(CNJ – PP – Pedido de Providências – Corregedoria – 0009542-42.2018.2.00.0000 – Rel. HUMBERTO MARTINS – 283ª Sessão Ordinária – julgado em 11/12/2018).
“(…)
(CNJ – RD – Reclamação Disciplinar – 0006108-11.2019.2.00.0000 – Rel. LUIS FELIPE SALOMÃO – 360ª Sessão Ordinária – julgado em 22/11/2022).
“(…)
(…)
(CNJ – PAD – Processo Administrativo Disciplinar – 0003379-07.2022.2.00.0000 – Rel. SALISE SANCHOTENE – 64ª Sessão Extraordinária – julgado em 29/11/2022).
Seguindo o Provimento nº 71/2018 e a Resolução nº 305/2019 (norma posterior ao Provimento 71/2018), o Plenário do CNJ já decidiu que “publicações feitas por magistrados em redes sociais, mesmo que privadas, devem observar o disposto no Provimento n. 71/2018 e na Resolução n. 305/2019”. Nessa linha o atual posicionamento do CNJ:
“(…)
(…)”
(CNJ – PP – Pedido de Providências – Corregedoria – 0000630-17.2022.2.00.0000 – Rel. LUIS FELIPE SALOMÃO – 359ª Sessão Ordinária – julgado em 08/11/2022).
“(…)
“(…)
(CNJ – RD – Reclamação Disciplinar – 0007017-48.2022.2.00.0000 – Rel. LUIS FELIPE SALOMÃO – 3ª Sessão Virtual de 2023 – julgado em 10/03/2023).
“(…)
III – Como muito bem apontado pelo Ministro LUIZ ROBERTO BARROSO, nos autos do MS 35.793, “a nova realidade da era digital faz com que as manifestações de magistrados favoráveis ou contrárias a candidatos e partidos possam ser entendidas como exercício de atividade político-partidária. Tais declarações em redes sociais, com a possibilidade de reprodução indeterminada de seu conteúdo e a formação de algoritmos de preferências, contribuem para se alcançar um resultado eleitoral específico, o que é expressamente vedado pela Constituição”.
IV – As regras previstas no Provimento da Corregedoria Nacional de Justiça n. 71/2019 e na Resolução CNJ n. 305/2019 não tratam de censura prévia ou de proibição de circulação de informações. Cuida-se de regras disciplinares impostas por lei e atos normativos primários, que se destinam a proteger a credibilidade do Poder Judiciário enquanto instituição.
(…)
VI – Importante rememorar que as mídias sociais não constituem um universo à parte, mas sim uma extensão da vida pública e particular do magistrado, que passa a se submeter, por intermédio de suas postagens, ao diuturno escrutínio de familiares, amigos e, principalmente, de desconhecidos […] O juiz, definitivamente, não tem a mesma liberdade de expressão que os demais cidadãos, os quais não estão sujeitos ao regime jurídico da Magistratura, que visa, exatamente, preservar-lhe a independência e a imparcialidade (Ato Normativo n. 0004450-49.2019.2.00.0000, 302ª Sessão Ordinária do Conselho Nacional de Justiça)
(…)
VIII – A Resolução CNJ n. 305/2019 estabelece parâmetros para o uso das redes sociais pelos membros do Poder Judiciário e, por meio do seu art. 10, concede um prazo de 6 (seis) meses contados da sua publicação para que os perfis em redes sociais fossem adequados pelos magistrados. Todavia, isso não se trata de uma abolitio, de uma causa de extinção da punibilidade, até porque um ato administrativo jamais poderia prever causas de extinção da punibilidade, por descumprimento de deveres funcionais previstos em lei.
(…)
(CNJ – PP – Pedido de Providências – Corregedoria – 0005178-90.2019.2.00.0000 – Rel. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA – 104ª Sessão Virtual – julgado em 29/04/2022).
Esse um breve panorama de alguns julgados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a respeito da liberdade de expressão e redes sociais.
É importante destacar que cada processo deve ser analisado individualmente em suas esferas de particularidades e peculiaridades, com a devida observância dos princípios e garantias constitucionais do devido processo legal (CF/88, art. 5º, LIV) e contraditório e ampla defesa (CF/88, art. 5º, LV).
Aqui não se buscou esgotar o tema – que é muito rico em teses e debates – mas apenas trazer um panorama de como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vem se posicionamento a respeito do assunto (liberdade de expressão e redes sociais para magistratura).
Fontes de pesquisa:
Portal do Conselho Nacional de Justiça:
Portal do Supremo Tribunal Federal:
www.stf.jus.br
CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede: do conhecimento à Política. In: Castells, Manuel; Cardoso, Gustavo (org.). A Sociedade em Rede: do Conhecimento à Acção Política. Centro Cultural de Belém, 2005.
*Alexandre Pontieri
Advogado com atuação em todas as instâncias do Poder Judiciário; desde 2006 atuando perante os Tribunais Superiores (STF, STJ, TST e TSE), e no Conselho Nacional de Justiça (CNJ); Consultor da área tributária com foco principalmente no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF); Pós-Graduado em Direito Tributário pelo CPPG – Centro de Pesquisas e Pós-Graduação da UniFMU, em São Paulo; Pós- Graduado em Direito Penal pela ESMP-SP – Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo. Aluno do Mestrado em Direito da UNB – Universidade de Brasília nos anos de 2018 e 2019. alexandrepontieri@gmail.com
[1] “HABEAS-CORPUS. PUBLICAÇÃO DE LIVORS: ANTI-SEMITISMO. RACISMO. CRIME IMPRESCRITÍVEL. CONCEITUAÇÃO. ABRANGÊNCIA CONSTITUCIONAL LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIMITES. ORDEM DENEGADA. 1. Escrever, editar, divulgar e comerciar livros “fazendo apologia de idéias preconceituosas e discriminatórias” contra a comunidade judaica (Lei 7716/89, artigo 20, na redação dada pela Lei 8081/90) constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII). […] 10. A edição e publicação de obras escritas veiculando idéias anti-semitas, que buscam resgatar e dar credibilidade à concepção racial definida pelo regime nazista, negadoras e subversoras de fatos históricos incontroversos como o holocausto, consubstanciadas na pretensa inferioridade e desqualificação do povo judeu, equivalem à incitação ao discrímen com acentuado conteúdo racista, reforçadas pelas consequências históricas dos atos em que se baseiam. 11. Explícita conduta do agente responsável pelo agravo revelador de manifesto dolo, baseada na equivocada premissa de que os judeus não só são uma raça, mas, mais do que isso, um segmento racial atávica e geneticamente menor e pernicioso. 12. Discriminação que, no caso, se evidencia como deliberada e dirigida especificamente aos judeus, que configura ao ilícito de prática de racismo, com as consequências gravosas que o acompanham. 13. Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal. 14. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o “direito à incitação ao racismo”, dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica. […] Ordem denegada. (HC 82424, Rel. Min. Moreira Alves, Rel. p/ Acórdão Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, julgado em 17.09.2003, DJ de 9.03.2004).
[2] CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede: do conhecimento à Política. In: Castells, Manuel; Cardoso, Gustavo (org.). A Sociedade em Rede: do Conhecimento à Acção Política. Centro Cultural de Belém, 2005.
[3] https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2608
[4] https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3124
[5] “28.11.2022 – Decisão: Após os votos dos Ministros Alexandre de Moraes (Relator), Edson Fachin e Dias Toffoli, que julgavam improcedente os pedidos nas ADIs 6.293 e 6.310, o processo foi destacado pelo Ministro Nunes Marques. A Ministra Rosa Weber (Presidente) antecipou seu voto acompanhando o Relator.” Fonte: portal do STF – www.stf.jus.br