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É prescritível as ações de ressarcimento ao erário fundadas em decisão de tribunal de contas?

A Constituição de 1988 privilegiou o combate à improbidade administrativa para evitar que os agentes públicos atuem em detrimento do Estado. Afinal, como já salientava Platão, na clássica obra REPÚBLICA, a punição e o afastamento da vida pública dos agentes corruptos pretendem fixar uma regra proibitiva para que os servidores públicos não se deixem “induzir por preço nenhum a agir em detrimento dos interesses do Estado”

Por conseguinte, o constituinte originário inseriu expressamente a figura da improbidade administrativa, em seu artigo 37, § 4º, que dispõe:

“Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação prevista na lei, sem prejuízo da ação penal cabível” [i]

Pelo que se vê, preocupou o constituinte com as noções morais no âmbito da administração pública, que no dizer de Rita Andréa Rehem Almeida Tourinho, revela-se “uma esperança de modificação em nosso cenário político-administrativo, fazendo com que somente participe do mesmo aqueles dispostos a atuar em prol da coletividade, colocando de lado a visão individualista, característica inegável nos nossos administradores públicos” [ii].

Assim sendo, a noção de improbidade administrativa resulta da conexão entre os campos normativos do direito e da moral. Esta conexão, aliás, não vai ao ponto de tornar o Direito Administrativo um subproduto da moral, mas exige que a caracterização do delito correspondente (delito de improbidade) apresente repercussão negativa e simultânea no âmbito da Legalidade e da Moralidade.

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A propósito, o artigo 37, § 5º, da Constituição Federal determina que “a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”.[grifo nosso].

Em agosto de 2018, os ministros do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário 852.475, decidiram que “são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa”.

Com efeito, a excepcional hipótese de imprescritibilidade proclamada pelo Supremo Tribunal Federal exige dois requisitos, a saber:

“(1) prática de ato de improbidade administrativa devidamente tipificado na Lei 8.429/92; (2) presença do elemento subjetivo do tipo DOLO; conforme TESE, com a qual guardo reservas, que estabeleceu: São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa[iii]

 

Não obstante a posição adotada pela maioria dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, entendemos que em um Estado de Direito, assim como no campo penal, também na responsabilidade civil por ato de improbidade, o Poder Público tem um prazo legal para exercer sua pretensão punitiva, não podendo, em regra, manter indefinidamente essa possibilidade, sob pena de desrespeito ao devido processo legal e da segurança jurídica.

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Pois bem, em 2020, a Corte Constitucional Brasileira ao julgar o Recurso Extraordinário nº 636.886, que fixou o tema 899, reconheceu ser prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas, especialmente no que se refere a possíveis repercussões dessa decisão no exercício das competências dos Tribunais de Contas do Brasil.

O entendimento adotado decorreu do fato de que: (1) o Tribunal de Contas, em momento algum, analisa a existência ou não de ato doloso de improbidade administrativa, limitando-se à análise técnica dos números; e (2) não há decisão judicial caracterizando a existência de ato ilícito doloso, não se podendo falar, por isso, em observância aos princípios do devido processo legal, contraditório e à ampla defesa, anteriores à formação do instrumento.

Por corolário, somente são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato de improbidade administrativa doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa – Lei 8.429/1992. Em relação aos demais atos ilícitos, inclusive àqueles atentatórios à probidade da administração não dolosos e aos anteriores à edição da Lei 8.429/1992, aplica-se o TEMA 666, sendo prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública.

Imperioso ressaltar que a Constituição Federal estabelece que as decisões do Tribunal de Contas de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo, de modo que realizada a tomada de contas especial, com a apuração do débito, poderá a Fazenda prejudicada promover a execução do título executivo, na forma da Lei 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal).

No processo de tomada de contas, os Tribunais de Contas não julgam pessoas, não perquirindo a existência de dolo decorrente de ato de improbidade administrativa, mas, especificamente, realiza o julgamento técnico das contas a partir da reunião dos elementos objeto da fiscalização e apurada a ocorrência de irregularidade de que resulte dano ao erário, proferindo o acórdão em que se imputa o débito ao responsável, para fins de se obter o respectivo ressarcimento.

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Destarte, entendemos como escorreito o entendimento esposado pelo Excelso Pretório, tendo em vista que caso houvesse o reconhecimento da imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão do Tribunal de Contas significaria grave ferimento ao Estado de Direito, que exige, tanto no campo penal, como na responsabilidade civil, a existência de um prazo legal para o Poder Público exercer sua pretensão punitiva, não podendo, como regra, manter indefinidamente essa possibilidade, sob pena de desrespeito ao devido processo legal e a segurança jurídica.

THIAGO MARCOS BARBOSA DE CARVALHO – Advogado, especialista em Direito Público; Ex-Vice-Presidente da Comissão de Acesso à Justiça da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Tocantins e atualmente licenciado da advocacia por exercer o cargo de Assessor Jurídico no Ministério Público do Estado do Tocantins. E-mail: [email protected]

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