Uma pesquisa conduzida pela consultoria de dados digitais Timelens, a pedido do Instituto Avon, revelou alarmantes níveis de violência e misoginia em fóruns anônimos da internet. Com base em uma análise de 9,5 milhões de postagens em 10 “chans” (fóruns anônimos) e 47 aplicativos de mensagens, o estudo destaca que 46% das discussões sobre mulheres nessas plataformas envolvem o uso de termos violentos para se referir a elas. Esse número aumenta significativamente para 69% em conversas relacionadas à pornografia.
Os “chans” são espaços anônimos de comunicação na internet, frequentemente inacessíveis aos motores de busca, e estão se tornando cada vez mais populares no Brasil. Notavelmente, apenas 0,3% das postagens analisadas tiveram origem em “chans” que permitiam a presença de mulheres.
Outro dado preocupante do estudo é a identificação de quase 18 mil comentários sobre vazamentos ou pedidos de vazamento de fotos íntimas, conhecidas como “nudes”, em discussões relacionadas à pornografia. Essas análises abrangeram o período de junho de 2021 a junho de 2023.
Em entrevista à Agência Brasil, a diretora executiva do Instituto Avon, Daniela Grelin, destacou o aumento exponencial no volume de mensagens em fóruns anônimos, que, como regra básica, proíbem a participação de mulheres. Entre 2021 e 2023, o número de mensagens aumentou de 19 por semana para 228 por hora, totalizando 38,3 mil postagens por semana. Grelin enfatizou que essa expansão é alarmante.
Ela também enfatizou a necessidade de investigações científicas para compreender o funcionamento desses fóruns anônimos e como eles têm o potencial de levar a violência virtual para o mundo real. Grelin citou exemplos recentes no Brasil, como o ataque em uma escola em Suzano, onde os perpetradores eram frequentadores de “chans”, e como esses espaços podem servir como oficinas de radicalização, normalizando a violência e a desumanização das mulheres.
A pesquisa teve como objetivo mapear discursos misóginos e práticas de violência contra mulheres nos “chans”, onde o ódio às mulheres é nutrido e multiplicado, sem responsabilização ou personalização. Grelin enfatizou a importância de o Brasil buscar inspiração em medidas adotadas por outros países, como a França, que implementou leis e regulamentos para coibir essa dinâmica. Ela também enfatizou a necessidade de as plataformas online serem responsabilizadas por reduzir o conteúdo misógino que banaliza a mulher.
A indústria da pornografia também foi mencionada no estudo, com Grelin ressaltando que, embora não seja anônima, ela promove a desumanização das mulheres e a violência. A diretora executiva do Instituto Avon alertou para a produção crescente de conteúdo radical e violento na indústria pornográfica, destacando a necessidade de medidas para mitigar seus impactos prejudiciais.
A pesquisa identificou que os frequentadores dos “chans” são em sua maioria homens heterossexuais, com idades entre 14 e 40 anos, sendo mais prevalentes na faixa etária de 20 a 24 anos. Eles se identificam como conservadores politicamente e demonstram dificuldades socioafetivas, sentimentos de fracasso e rejeição, especialmente em relação às mulheres. Além disso, utilizam expressões racistas e machistas em seu vocabulário, evidenciando posicionamentos misóginos e de incitação à violência.
Embora os “chans” imponham regras contra o compartilhamento de conteúdo de pornografia infantil, a pesquisa revelou uma alta demanda por conteúdo relacionado a meninas menores de idade, muitas vezes chamadas de “novinhas” ou “isca de cadeia”. Nos grupos de aplicativos de mensagens monitorados pela pesquisa, 36% tinham como tema principal o “vazamento”, frequentemente seguido pelo termo “novinhas”.
A pesquisa destaca a urgência de compreender e abordar esses espaços online anônimos, que continuam a disseminar ódio e violência contra as mulheres, e propõe a necessidade de intervenções direcionadas e sistêmicas. Além disso, enfatiza a importância da responsabilização baseada em dados e da conscientização moral para dissipar os efeitos prejudiciais dessas práticas no mundo real.